terça-feira, 27 de abril de 2010

Entrevista com Paulo Moutinho - Coordenador do Programa de Mudanças Climáticas do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM)

Para o Coordenador do Programa de Mudanças Climáticas do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), se as alterações no Código Florestal forem aprovadas no formato atual, o país passará vergonha perante a comunidade internacional. Nesta entrevista, ele fala também sobre a pretensa dicotomia entre crescimento econômico e preservação ambiental e a posição de parlamentares a esse respeito.

Qual a relação entre a conservação das florestas e mudanças climáticas?
Quando se fala das mudanças climáticas, fala-se, automaticamente, de função de ecossistemas e não da biodiversidade apenas. A ideia é que ao estabelecer uma relação entre o equilíbrio climático do planeta e a integridade dos ecossistemas, abarca-se, também, outras funções. Sejam elas de disponibilização de água para a população, de diversidade de espécies, de recursos florestais e assim por diante.

Recentemente, foram publicados estudos diferentes que reforçam uma mesma posição: ao se criar unidades de conservação [da biodiversidade], se impede a emissão futura de gases de efeito estufa – quer seja dentro dessas áreas, quer seja em torno delas. E ao reduzir essas emissões, reduzimos a possibilidade de uma alteração climática muito grande na região e até no continente.

Além disso, pode-se dizer que a floresta é um grande regador do agronegócio. Ficar nesse conflito entre preservação e produção não é positivo. Na verdade, o agronegócio deveria ser o primeiro a proteger a Amazônia.

E por que isso não encontra respaldo nas políticas brasileiras, em especial no debate sobre as alterações do Código Florestal?

Primeiramente, é preciso dizer que o Brasil vem dando passos importantes no sentido da proteção ambiental, a partir do momento em que ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva trouxe a discussão sobre florestas para dentro do governo. Depois, tivemos a criação do Fundo Amazônia e mais recentemente, as metas voluntárias de redução de emissões de gases de efeito estufa. Foi uma mudança impressionante que tivemos nos últimos cinco, seis anos.
Esses são avanços que podem colocar o país em uma posição que acabe com o falso dilema entre crescimento econômico e conservação ambiental/mitigação das mudanças climáticas e use esse esforço como uma alavanca de desenvolvimento econômico. Mas infelizmente essa perspectiva não está posta nas discussões sobre o Código Florestal. Até agora, domina a percepção de que a proteção das florestas inviabiliza o desenvolvimento.

A sociedade brasileira pode se tornar a primeira a realizar o tão sonhado desenvolvimento sustentável. Mas há uma série de ameaças e se seus rumos não forem anulados ou as ações direcionadas para um outro caminho, será muito difícil o país entrar na era da economia de baixo carbono.

Além disso, quem vai sofrer é a indústria brasileira e o próprio país, porque não há como termos um planeta minimamente habitável no futuro se não estabelecermos esse tipo de economia.
Quais as conseqüências da não percepção dessa oportunidade de crescimento com preservação ambiental no debate sobre as alterações do Código no Congresso Nacional?

Se as alterações forem aprovadas do jeito que estão, com as mudanças propostas, certamente nós não vamos cumprir as metas de redução do desmatamento. Isso vai ser um mico que o país vai pagar perante a comunidade internacional.

E isso não acontece apenas em relação ao Código Florestal. Se o Programa de Aceleração do Crescimento for implementado do jeito que está, também certamente não vamos cumprir essas metas. Para se ter uma ideia, se a BR 319 for pavimentada, nos próximos 40 anos cerca de 5 bilhões de toneladas de CO2 serão emitidas. O Brasil estabeleceu como sua meta de redução do desmatamento até 2020, na Amazônia, 4,8 bilhões de toneladas. Ou seja, uma estrada praticamente anula toda a meta que foi colocada.
Em uma visão mais macroeconômica e macropolítica dessas considerações, vemos que o Brasil continua vivendo a grande esquizofrenia de ter projetos – alguns até bons – de controle do desmatamento e ao mesmo tempo um programa de expansão de infraestrutura sem qualquer preocupação com o meio ambiente.
Enfim, enquanto não tivermos um trabalho de Estado com ações coerentes, vamos dar um passo para frente e outro para trás, sem avanços.

Em relação ao debate sobre REDD, como o Congresso se posiciona?


Parlamentares estão envolvidos na discussão sobre a regulamentação de REDD e é importante que eles participem. Esse envolvimento abre uma porta para a discussão do marco legal do regime nacional de REDD coerente em termos de políticas públicas de Estado e de distribuição de recursos entre os entes da federação.

Mas esse envolvimento está longe de ser o ideal. Atualmente, está sendo discutido o Projeto de Lei 5586/09 [da deputada Rebecca Garcia (PP-AM)], que nasce muito focado nos créditos de REDD, o que pode ser um tiro no pé, caso essa linha de ação seja mantida. O projeto tenta estabelecer a regulamentação de créditos de REDD importando muitos processos do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo: ou seja, regulamentar e criar créditos para projetos isolados de REDD, o que é complicado. E praticamente todos os que participam desse debate defendem essa abordagem por projetos. Essa é a dos produtores rurais, por exemplo, que lutam seus próprios interesses.
Com isso, é gerado um sentido perverso para o mecanismo: talvez sejam distribuídos recursos para quem desmatou até agora e vai parar de desmatar, sem que tenha que compensar o dano já causado.
Outro problema é cada projeto elege o seu parâmetro técnico de contabilização de redução de emissões. A falta de padrões pode, em um primeiro momento, atrair investimentos de empresas que querem se adiantar na redução de suas emissões. Mas, por outro lado, pode afugentar investidores de longo prazo, porque torna impossível saber se não terminarão pagando duas vezes pela mesma coisa – para investidores, isso é a morte.
É por isso que a gente vem defendendo a criação de um regime programado de REDD, e não um saco de projetos, cada um estruturado de uma forma diferente.
Esse PL é a única discussão sobre REDD no Congresso?

Da última vez que fizemos a contabilidade, existiam 60 projetos relacionados às mudanças climáticas em trâmite no Congresso. Alguns, provavelmente, já devem ter sido abandonados, outros ainda estão em discussão. Esse PL dos créditos do REDD foi escolhido por alguns deputados pegaram para levar à frente. Todos os parlamentares estão dizendo que depois da COP 15 houve uma baixa na atenção ao tema – ninguém mais fala do assunto.
Antes, porém, de que se discuta qualquer projeto envolvendo o REDD, é fundamental encaminhar dois atos do governo ao Congresso: o Fundo de Mudanças Climáticas e a Política Nacional de Mudanças Climáticas. No primeiro, é preciso estabelecer as prioridades: como usar esse dinheiro, qual vai ser a política de uso, o que queremos desse fundo. Já na política nacional estão estabelecidas as metas de redução de emissões do país e é preciso regulamentar como isso será cumprido.
Esses dois atos devem dialogar com qualquer proposta que surja envolvendo o crédito de REDD, seja ele este PL ou não. É necessária a existência de uma lei que regule os princípios e fundamentos de um regime de REDD nacional, antes surgirem vários outros projetos.

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